terça-feira, 30 de junho de 2015

GERAÇÃO DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.

Em nossas pesquisas e leituras, destacamos o brilhantismo do autor do artigo reproduzido abaixo, o colega Dr. Cassio Scarpinella Bueno, publicado na Revista do Advogado da AASP, Associação dos Advogados de São Paulo, nº 126, em maio de 2015. O artigo nos ensina a origem, desdobramentos e geração do novo CPC, com críticas de altíssima e particular técnica e pertinência, com as quais concordamos. É através destas importantes iniciativas que podemos compreender a evolução da dinâmica jurídica no Brasil. A leitura do texto redigido pelo colega acima mencionado, é importantíssima e acrescenta muito aos estudiosos do direito, ficando recomendada. Dr. Heitor Rodrigues de Lima. (IN)DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO E O NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. O novo CPC foi aprovado. Foi a notícia que, em 17 de dezembro de 2014, percorreu o Brasil todo. O que ninguém sabia àquela altura — e, certamente por isso, foram tantas as comemorações que, de norte a sul e de leste a oeste tomaram o país naquele dia, com notícias sobre a tal aprovação nos mais variados veículos de comunicação, inclusive os não jurídicos — é que o “novo CPC” entraria, desde então, em um verdadeiro limbo destinado à “revisão” de seu texto. Foram necessários mais de dois meses para que ela fosse concluída e para que, em 24 de fevereiro de 2015, o texto final fosse finalmente enviado à sanção presidencial. Os quinze dias úteis para sanção presidencial (art. 66, § 3º, da Constituição Federal) foram consumidos integralmente e somente em 16 de março de 2015 é que o texto foi sancionado pela Presidente da República, seguindo-se a sua publicação no Diário Oficial da União no dia 17 de março de 2015, dia de início da vacatio legis de um ano para sua entrada em vigor, previsto no seu art. 1.045. Há variadas formas de se lidar com o novo Código agora que ele está publicado oficialmente. Para cá, importa destacar faceta pouco explorada, muito pouco, aliás, que se relaciona e se justifica na perspectiva do processo legislativo. Sim, porque para aquele que se limita a conhecer o novo CPC a partir do que foi publicado no Diário Oficial, não há como verificar a quantidade de modificações que o seu texto apresenta quando comparado — como deve ser — com os Projetos que lhe antecederam. Nesse sentido, esse pequeno texto quer estimular a comunidade de estudiosos do direito processual civil a também levar em consideração, nas suas reflexões sobre o novo CPC, a matéria prima que antecedeu a sua promulgação e a sua publicação no Diário Oficial. Não só porque conhecê-la pode ofertar importantes elementos para a sua mais adequada compreensão — inclusive para constatar que muitas das novidades do novo CPC já tinham sido apresentadas pelo Anteprojeto elaborado pela Comissão de Juristas — mas, sobretudo — e é isso que cabe relevar aqui e agora —, para permitir a análise do novo CPC a partir do indispensável devido processo legislativo que antecedeu aqueles seus momentos culminantes. Pode parecer desnecessário lembrar, mas é fundamental que se tenha presente que o Anteprojeto elaborado pela Comissão de Juristas presidida pelo Ministro Luiz Fux deu início ao processo legislativo no Senado Federal. O Projeto respectivo (PLS n. 166/2010) foi aprovado naquela Casa Legislativa em dezembro de 2010, sendo enviado em seguida para revisão à Câmara dos Deputados, onde passou a tramitar sob o número 8.046/2010. Em março de 2014, com a votação dos destaques feitos em dezembro de 2013, quando o texto básico fora aprovado na Câmara, o Projeto foi aprovado naquela outra Casa Legislativa. Como se tratava de verdadeiro substitutivo de projeto de lei, considerando a quantidade e a qualidade das modificações aprovadas na Câmara, o Projeto retornou ao Senado, Casa Iniciadora do Projeto, por força do parágrafo único do art. 65 da Constituição Federal. Na última etapa do processo legislativo, que então teve início, a atividade do Senado era limitada à confrontação dos dois Projetos aprovados e à escolha de qual dos dois, artigo por artigo, inciso por inciso, alínea por alínea e parágrafo por parágrafo, deveria prevalecer. Nada de modificações substanciais; nada de estabelecer um terceiro parâmetro normativo que não guardasse relação com os Projetos anteriores, aprovados em cada uma das Casas Legislativas, com seus erros e acertos, suas virtudes e seus defeitos. Em 17 de dezembro de 2014, foi aprovado e votado no Plenário do Senado Federal, o relatório apresentado pelo Senador Vital do Rêgo, o Parecer n. 956/2014, cujo anexo representava, é o que se lê do relatório, o texto submetido à votação. A aprovação foi praticamente total, com exclusão do que acabou constando de outro Parecer, de número 1.099/2014, identificado como adendo ao Parecer n. 956/2014. No Parecer n. 1.099/2014 estão identificadas algumas correções redacionais e alguns “erros materiais” constantes do Parecer n. 956/2014 e a aprovação ou a rejeição dos destaques efetuados pelo Senado na referida sessão do dia 17 de dezembro de 2014. A leitura do referido Parecer n. 1.099/2014 desperta, desde logo, uma indagação: se havia correções redacionais e “erros materiais” a serem sanados, bem assim, mera menção ao acolhimento ou à rejeição dos destaques dos Senadores na sessão de 17 de dezembro de 2014, qual era o texto que efetivamente foi posto para discussão e aprovação do Senado? A resposta parece ser: o texto aprovado pelo Plenário do Senado é o anexo ao Parecer n. 956/2014. No entanto, aquele texto precisava ser lido a partir dos elementos constantes do seu adendo, o Parecer n. 1.099/2014, que, como acabei de escrever, revela, é essa a grande verdade, que aquele o texto do Parecer n. 956/2014 não era um texto fechado; era um texto a ser fechado. Sim, um texto a ser fechado, ainda escrito (ou reescrito) em tudo aquilo que o Parecer n. 1.099/2014 indicava como apuro redacional ou como erro material. E mais ainda para incluir os diversos destaques aprovados pelo Plenário na sessão de 17 de dezembro de 2014. Dentre eles dois institutos que não constavam do Parecer n. 956/2014: a conversão da ação individual em ação coletiva (que acabou sendo vetado pela Presidente da República com base em razões pífias) e o prolongamento do julgamento não unânime em determinadas circunstâncias, que veio para substituir os embargos infringentes abolidos do novo CPC. A circularidade da afirmação, que decorre do que se lê do próprio Parecer n. 1.099/2014, impressiona: o texto aprovado no plenário do Senado Federal era um texto a ser completado. Quem o faria, contudo, se não havia mais sessões no Senado Federal em 2014 e o ano legislativo encerrar-se-ia ao fecho daquela legislatura? Sem querer ofertar nenhuma resposta a essa pergunta, importa constatar que o trabalho final a ser elaborado a partir de então teria que seguir à risca as “instruções” do Parecer n. 1.099/2014 e que essa observância era (seria) essencial para que o texto final representasse a vontade do Senado Federal alcançada na sessão do dia 17 de dezembro de 2014. Foi esse o instante em que o limbo anunciado de início teve início, um período, isso também já foi evidenciado, que durou pouco mais de dois meses, findando apenas em 24 de fevereiro de 2015. O que chocou todos aqueles que vinham acompanhando os trabalhos legislativos é que o texto que acabou saindo do Senado Federal, naquele dia 24 de fevereiro de 2015 apresentava um sem número de modificações em relação ao texto do Parecer n. 956/2014. Alterações que vão muito além das alterações e das modificações anunciadas (e, nesse sentido, querendo ser justificadas) no Parecer n. 1.099/2014. Mas não só. Já no texto aprovado pelo Senado Federal em 17 de dezembro de 2014 — aquele que acompanhou o Parecer n. 956/2014 —, são variados os dispositivos que não encontram fundamento, claro, explícito ou direto, nos Projetos revisados por aquela Casa Legislativa na derradeira etapa dos trabalhos legislativos. Nada, isso é certo, comparável com o número de modificações da “revisão final” mas, mesmo assim, um número considerável e que não pode passar despercebido pelo estudioso do direito processual civil. Tarefa que se põe para todos, agora, é contrastar artigo por artigo, inciso por inciso, alínea por alínea, parágrafo por parágrafo do que foi finalmente publicado como Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015, no Diário Oficial da União de 17 de março de 2015, com o que foi aprovado no Senado Federal em 17 de março de 2014 (o Parecer n. 956/2014) e com o que saiu daquela Casa Legislativa em 24 de fevereiro de 2015 rumo à sanção presidencial (o Parecer n. 956/2014 “revisado” pelos elementos do Parecer n. 1.099/2014, que deu ensejo ao Parecer n. 1.111/2014 que, em rigor, é o texto da Lei n. 13.105/2015 publicada como Código de Processo Civil no DOU de 17 de março de 2015, excetuados, evidentemente, os vetos presidenciais). Há várias vozes que já se levantaram em relação aos questionamentos até agora insinuados, afirmando que as modificações efetuadas foram “meramente redacionais”. No entanto, não há como deixar de perguntar: quais os limites de uma alteração “meramente redacional”? A pergunta é pertinentíssima porque o necessário uso da linguagem nos textos jurídicos, substrato escrito que enseja a extração das normas jurídicas, é tema fundamental para a teoria geral do direito e até para a filosofia do direito. Tudo a recomendar muito cuidado na realização de quaisquer alterações redacionais. Um simples pronome ou uma mera preposição que seja alterada, um tempo verbal modificado, uma palavra substituída, uma vírgula a mais ou a menos, tudo isso pode dar ensejo a construção de normas diversas, porque geradas, em última análise, a partir de textos diversos. Assim, reescrever um texto jurídico pode ir, mesmo que inconscientemente, além do mero ajustar ou aperfeiçoar sua redação. Realocar e desdobrar artigos, idem. Sua nova posição, quando contrastada com a anterior, sempre dará ensejo a interpretações que poderão levar em consideração, inclusive, o local em que inserido este ou aquele dispositivo. Em suma, o direito depende de textos que, interpretados, ensejam as normas jurídicas. Como garantir que alterações, mesmo quando “meramente redacionais”, não darão ensejo à formulação de novas ou diversas normas jurídicas? O que ocorre, de qualquer sorte, é que a justificativa acima indicada, de que as alterações teriam sido meramente redacionais, parece supor que ninguém leu o que o Senado aprovou em 17 de dezembro de 2014 ou se leu não tinha presente, como deveria ter, o que havia sido aprovado no PLS n. 166/2010 (de dezembro de 2010) e no PL n. 8.046/2010 (em dezembro de 2013 e em março de 2014). Trata-se, assim, de assumir que não havia memória nenhuma dos trabalhos legislativos anteriores àquele instante do processo legislativo e, nessa condição, nenhuma resistência poderia ser oposta eficazmente ao que acabou se transformando, primeiro, no já mencionado Parecer n. 956/2014 e, depois, no referido Parecer n. 1.111/2014 e, consequentemente, no novo CPC. A segurança na afirmação do parágrafo anterior reside em uma leitura que se faça de cada um daqueles documentos legislativos. É o próprio Senado Federal, aliás, que publicou na sua página da internet interessantíssimo quadro comparativo com o CPC atual (e ainda em vigor até o dia 17 de março de 2016), o Projeto do Senado (PLS n. 166/2010), o Projeto da Câmara (PL n. 8.046/2010) e a “suma” afinal aprovada pelo Senado em 17 de dezembro de 2014, isto é, o texto que acompanhou o Parecer n. 956/2014. É acessar o seguinte endereço eletrônico para lê-lo na íntegra e confirmar como os textos lá destacados em amarelo evidenciam o acerto do que vim de escrever: http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getDocumento.asp?t=158926. É certo que esse quadro não contém a “revisão” derivada do Parecer n. 1.099/2014 mas, como escrito acima, não havia como aquela revisão desviar-se dos limites nele indicados, todos eles claríssimos. E, não obstante, como aquela revisão foi muito além daqueles limites, a leitura do texto produzido em seguida, findo o limbo revisional (o Parecer n. 1.111/2014), revela a outra faceta já enunciada: é o caso de compará-lo com os trabalhos legislativos anteriores para constar e em que medida houve exorbitância dos limites impostos àquela derradeira revisão. É ler, aqui também o que foi divulgado pelo próprio Senado Federal como “autógrafo enviado à sanção” no seguinte endereço eletrônico: http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=160811&tp=1. O fato é que quaisquer diferenças entre aqueles textos — e há, sem exagero nenhum, centenas delas — precisam ser bem analisadas para saber se são mesmo “meramente redacionais”, se são meros apuros de técnica legislativa ou se, travestidas disto e daquilo, vão além, extravasando dos limites que o art. 65 e seu respectivo parágrafo único da Constituição Federal impõem ao “devido processo legislativo” quando da devolução do Projeto da Casa Revisora (a Câmara dos Deputados) à Casa Iniciadora (Senado Federal). Parece ser possível agrupar tais modificações em quatro grupos, que servem tanto para o texto final do Senado (o Parecer n. 956/2014) como para — e, sobretudo — para o texto que, findo o limbo, foi enviado à sanção presidencial (o Parecer n. 1.111/2014). O primeiro grupo é de modificações que objetivamente são meramente redacionais. O segundo grupo são modificações que, ao que tudo indica, querem aprimorar a técnica legislativa, pelo menos aquela até então empregada em nove meses de debate no Senado Federal, de março a dezembro de 2014. O terceiro grupo representa desmembramentos ou junções de dispositivos. O quarto grupo, o último, reúne as hipóteses que, não se amoldando em nenhum outro dos três grupos, representa texto novo. Não é difícil, infelizmente, ilustrar cada um desses quatro grupos. Com relação às múltiplas alterações redacionais, basta ler o texto do novo CPC, tal qual publicado no DOU de 17 de março de 2015. Do primeiro ao último artigo — e, também aqui, não há exagero nenhum na afirmação — há modificações meramente redacionais. Seja no texto aprovado no Senado Federal em 17 de dezembro de 2014; seja — e sobretudo — no texto que, após o limbo que teve início naquele dia e findouse apenas em 24 de fevereiro de 2015, foi enviado à sanção presidencial. Para ilustrar a afirmação, basta constatar a substituição do verbo “velar” empregado pelo art. 7º do Projeto do Senado e pelo art. 7º do Projeto da Câmara por “zelar” no Parecer n. 956/2014 — embora, nos arts. 139, II, e 196, leia-se, ainda, “velar” — e as inúmeras, cansativas, insistentes e desnecessárias inversões e desinversões de orações ao longo de todo o texto, artigo após artigo. O segundo grupo é bem ilustrado pela eliminação de todos os pontos e vírgula que se encontravam em um mesmo artigo, um mesmo inciso, uma mesma alínea ou um mesmo parágrafo. Ao que tudo indica, a técnica legislativa, pelo menos a empregada no novo Código de Processo Civil, manda reservar pontos e vírgulas apenas para separar as regras dos diversos incisos entre si. Sua enumeração seria impossível no espaço reservado para esse pequeno trabalho. O terceiro grupo, sobre desmembramentos ou reuniões de artigos tais quais aprovados pelo Senado Federal em 17 de dezembro de 2014, reúne tão vastos quanto interessantes exemplos. Uma situação bem ilustrativa está no dispositivo que disciplinava, ao mesmo tempo, o que vem sendo chamado “negócio processual” — ou de forma mais pomposa e mais interessante “cláusula geral de negociação processual” — e o calendário que as partes e o juiz podem construir em conjunto. O texto aprovado no Projeto da Câmara e o texto aprovado, na última fase de deliberação parlamentar, pelo Senado, estava em um só dispositivo legal: o art. 191 do PL n. 8.046/2010, correspondente ao art. 189 do Parecer n. 956/2014. Após o limbo revisional, os negócios processuais passaram a ocupar o art. 190; o calendário, o art. 191. O mais interessante dessa separação repousa na sua consequência: uma vez separados os dispositivos, tais quais sancionados e publicados no Diário Oficial, é possível que o magistrado exerça controle sobre o calendário processual com a mesma intensidade e pelos mesmos fundamentos que exerce sobre os negócios processuais? A questão é pertinente porque o que era um só § 4º para ambas as figuras passou a ser o parágrafo único do art. 190 (que só trata dos negócios processuais), silenciando-se, a respeito, o art. 191, que só se ocupa com o calendário processual. Qualquer justificativa dessa alteração esbarra na interpretação daquele dispositivo, tal qual redigido, com um caput e quatro parágrafos na origem, que, ao menos em tese, poderia se dirigir a um ou a outro sentido. O desmembramento do artigo em dois quer impor uma forma de interpretar a novel figura e sua forma de controle, pré-condicionando o intérprete que, até por desconhecer a matéria prima do processo legislativo, naturalmente prender-se-á (e limitar-se-á) ao texto que aparece no Diário Oficial. O que importa destacar para cá, contudo, é que, ainda que o entendimento que venha a prevalecer na doutrina e na jurisprudência seja o de que os calendários estão fora do controle judicial, porque o juiz participa de sua elaboração (art. 191, caput, da redação final do novo CPC), importa que ele derivasse do texto efetivamente aprovado pelo Senado Federal a partir do Projeto da Câmara, que nunca aprovou o que, agora, está no texto do novo CPC, dividido em dois artigos. Outra situação interessante de desmembramento de dispositivos está no parágrafo único do art. 1.030. Ao isolar naquele parágrafo a regra quanto à inexistência de juízo de admissibilidade perante os Tribunais de Justiça e Regionais Federais dos recursos extraordinários e/ou especiais, a revisão final quis viabilizar um eventual veto presidencial considerando o evidente impacto que a nova regra gera aos Tribunais Superiores? A pergunta, a despeito de ter se mostrado meramente retórica, porque o dispositivo não foi vetado, mostra o quão longe se pode chegar ao desmembrar (ou juntar), ainda que sob as vestes de apuro de técnica legislativa e/ou redacional, artigos. Longe da especulação, caso concreto de desdobramento que acarretou alteração (indevida) de regra encontra-se nos legitimados ativos para a revisão da tese fixada no julgamento do novel Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas. O texto finalmente aprovado pelo Senado Federal — que, em si mesmo considerando não é imune a críticas sobre sua elaboração porque difere, em larga escala, dos textos aprovados no PLS n. 166/2010 e no PL n. 8.046/2010 —, previa, clara e inequivocamente, a legitimidade das partes, do Ministério Público e da Defensoria Pública para aquele fim. Por força de um desdobramento do art. 974, efetuado no limbo revisional, a legitimidade para a revisão acabou sendo limitada ao Ministério Público e à Defensoria Pública. É contrastar os textos dos arts. 974, I e II, e 983 do Parecer n. 956/2014 com os arts. 977, I a III, e 986 do Parecer n. 1.111/2014, sendo certo que nenhuma instrução a esse respeito reside no Parecer n. 1.099/2014. Os exemplos relativos ao que acima chamei de quarto grupo são os mais variados e os mais distintos. Há diversos dispositivos, tanto no texto final aprovado pelo Senado Federal (sempre o Parecer n. 956/2014, mesmo quando lido ao lado de seu “adendo”, o Parecer n. 1.099/2014) como na “revisão” do texto enviado à sanção presidencial (o Parecer n. 1.111/2014) diversos dispositivos que simplesmente não encontram correspondência com o que está no PLS n. 166/2010 e no PL n. 8.046/2010. Para fins didáticos, cabe distinguir, nesse quarto grupo, dois blocos de situações. O primeiro são situações objetivamente constatáveis em que a colocação dos artigos correspondentes do PLS n. 166/2010 e do PL n. 8.046/2010 lado a lado revela com clareza a falta de correspondência entre eles e o que aparece como texto consolidado (Parecer n. 956/2014) ou como autógrafo enviado à sanção presidencial (Parecer n. 1.111/2014). Um exemplo, dentre vários, é o § 3º do art. 1.009 do novo CPC sobre a recorribilidade por apelação de decisões que, não fossem resolvidas pela sentença, desafiariam agravo de instrumento. Também há casos em que se alcança a mesma conclusão em perspectiva invertida, isto é, quando a comparação, lado a lado, dos dispositivos projetados e aprovados, revela a ausência de elemento que, por constar dos projetos ou, ao menos de um deles, deveria estar presente na versão final à falta, justamente, de outra correspondência possível. Exemplo seguro dessa hipótese, também dentre vários, é a ausência de recorribilidade por agravo de instrumento da decisão que indefere liminarmente a reconvenção, que era o § 3º do art. 344 do PL n. 8.046/2010 e que não encontra similar em toda a disciplina dada pelo novo CPC à reconvenção (art. 343) e nem nas hipóteses sujeitas a agravo de instrumento (art. 1.015). A segunda situação do quarto grupo reside nos casos em que o apontamento das novas regras depende de análise conjunta de diversos dispositivos e o cuidadoso exame que deve ser feito na sua comparação para justificar o texto final à luz dos dois Projetos, sempre entendidos o que foi aprovado pelo Senado Federal em 2010 e na Câmara dos Deputados em dezembro de 2013 e em março de 2014. A mais significativa dessas situações, que também, lamentavelmente, não é única, dá-se com o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas. O parágrafo único do art. 978, que prevê a competência do Tribunal de Justiça e/ou do Tribunal Regional Federal para, além de fixar a tese, julgar o caso concreto, aplicando-a, não encontra nenhum correspondente no PLS n. 166/2010 e no PL n. 8.046/2010, por mais que se queira neles encontrar algo similar. Para quem não conseguir justificar todos os dispositivos da “tutela provisória” do novo CPC (arts. 294 a 311) com o que os arts. 269 a 286 do PLS n. 166/2010 chamaram de “tutela de urgência e tutela da evidência” e que os arts. 295 a 312 do PL n. 8.046/2010 chamaram de “tutela antecipada” ou, ainda, o disposto nos arts. 926 e 927 do novo CPC com seus pares naqueles dois Projetos (art. 882 e arts. 520 e 521, respectivamente), esse subgrupo torna-se ainda mais profícuo. E, tomo a liberdade de afirmar, a conciliação daqueles textos é tarefa dificílima... As situações aqui narradas não são exaustivas, infelizmente não. Elas são apresentadas na expectativa de que elas convidem os estudiosos do direito processual civil a se debruçar sobre o novo CPC também nessa perspectiva e para essa mesma finalidade1 . Trata-se, assim, de convidar a todos que se voltem ao exame do processo legislativo — o devido processo legislativo, porque outro não deve haver em terras constitucionais brasileiras — que gerou o novo Código de Processo Civil. Não há como leis serem elaboradas sem observância da Constituição, sob pena de inconstitucionalidade formal. Tanto quanto a correção formal das sentenças depende de sua vinculação aos limites subjetivos e objetivos da petição inicial, no máximo acrescidos por alguma iniciativa do réu ou de algum terceiro interveniente e ao desenvolvimento de um “devido processo”, a lei pressupõe que sua versão final justifique-se nos projetos aprovados nas duas casas legislativas e tramite de acordo com as normas aplicáveis ao seu processo. Paradoxalmente, é o próprio novo Código de Processo Civil quem nos propõe, desde o seu art. 1º, inspirador, o desafio de aplicar invariavelmente a Constituição Federal para “ordená-lo, discipliná-lo e interpretá-lo”. Quando ele prescreve que “O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código”, é também à iniciativa acima indicada, de ter ciência e consciência de sua origem legislativa, que ele se refere. O devido processo não é só judicial e não é só administrativo; ele é, com a mesma intensidade constitucional, o legislativo, que precede o exame de qualquer lei e, entre elas, também o novo Código de Processo Civil. Por que com ele seria diferente? A higidez da lei pressupõe, faço questão de frisar, tanto quanto a sentença, escorreito processo (forma de atuação do Estado, pelo menos daqueles com o modelo instituído ao brasileiro pela Constituição de 1988) a ela anterior. Leis não podem nascer do nada; não, pelo menos, no Brasil Constitucional. É a contradição do novo Código de Processo Civil, que quer concretizar, em última análise, o devido processo legal no âmbito do Judiciário, mas que descumpre o mesmo devido processo no âmbito do Legislativo. Sempre haverá a voz de quem quererá, ainda aqui, justificar as alterações ilustrativamente apontadas acima acentuando ela ser necessária para que os problemas acima indicados e tantos outros que o espaço presente não permite serem apresentados fossem solucionados. E que foi assim para que não se repetisse o que ocorreu com o Código de Processo Civil atual, em que, durante a sua vacatio legis, foi promulgada a Lei n. 5.925, de 1º de outubro de 1973, que “retifica dispositivos da Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973, que instituiu o Código de Processo Civil” e que entrou em vigor no mesmo dia dele, perfazendo um todo normativo. Em rigor, aliás, o Código de Processo Civil de 1973 nunca entrou em vigor na sua forma redacional originariamente aprovada. Ele, ao entrar em vigor, já se apresentou em sua forma revisada pela precitada Lei n. 5.925/1973. A rejeição à hipotética crítica, sempre com as vênias de estilo, reside no que acentuei de início e insistentemente. Há um modo preestabelecido para se fazer leis no Brasil Constitucional. Se a etapa final dos trabalhos legislativos acabou não se mostrando suficiente para a deliberação e para o fechamento do texto, que o Código não tivesse sido aprovado “por fazer” ou “por completar”, como, infelizmente, acaba por sugerir o Parecer n. 1.099/2014, Adendo ao Parecer n. 956/2014 e também o texto que, findo o limbo revisional foi enviado à sanção presidencial. A não se pensar assim, é o caso de formular de maneira expressa questões que estão implícitas nas linhas que abrem esse trabalho: o que foi, enfim, aprovado na sessão do Senado Federal de 17 de dezembro de 2014: meras diretrizes legislativas a partir de um texto base? O processo legislativo encerra-se sem a produção do texto respectivo? E se o texto contém imperfeições, que vão além das meramente redacionais — como demonstram os poucos exemplos acima destacados —, não é o caso de superá- las mediante a forma adequada, isto é, a produção de uma nova lei? A experiência de pouco mais de quarenta anos não é, na perspectiva do devido processo legislativo, a mais correta? Não seria ela, aliás, a mais correta (e republicana) nos ares constitucionais pós 1988? Como não há como fugir dessas questões — é o próprio art. 1º do novo CPC que assim determina, rente, aliás, ao que o art. 1º do Anteprojeto e o art. 1º do PLS n. 166/2010 já propunham —, caberá aos processualistas civis debruçarem-se um pouco mais no processo legislativo, aquele devido, nos precisos termos constitucionais, do próprio CPC, para somente após de conferida a sua conformidade formal e superados e contornados todos os problemas que aparecerem nessa perspectiva, que não são poucos, dar início à sua análise substancial. Entender diversamente é insistir no paradoxo acima detectado, desprezando um dos elementos nodais do próprio estudo do direito processual civil em um modelo de Estado Constitucional, o do devido processo legal ou, em palavras mais diretas, mas não menos adequadas: a certeza de que os fins não justificam — e não podem e não devem justificar — os meios. FONTE: Autor do artigo: Dr. Cassio Scarpinella Bueno. REVISTA DO ADVOGADO. AASP. MAIO DE 2015. O NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.